“Pra justiça, chama Xangô Pra batalha, Ogum é o mais forte Ontem fui caça hoje, caçador Quem me guia nessa trilhas é Oxóssi”
Em tempos bicudos, os versos de Black Star, canção que o rapper Flávio Renegado declamou no início de uma das mesas de seminário da CUT sobre a questão racial no atual contexto político, serve como uma linha de inspiração e referência para quem não pode esquecer de onde veio e para onde vai. “Viramos esquerda do ar condicionado, ficamos no gabinete e esquecemos de ir às ruas. Quem fez isso foi a bancada da Bíblia, foi para comunidade, chamaram todo mundo e nas ruas vemos o resultado de tudo isso aí hoje. Whatsapp é legal, Facebook, mas militância é na rua, não só em rede social. Deixamos brecha e eles se fizeram em nossa brecha”, falou, referindo-se a forças conservadoras. Para ele, o que está faltando é elevar o nível da discussão política para fazer avançar diante de reacionários que agem em bloco. Renegado avalia que a formação política não acompanhou a formação educacional e isso faz com que muitos jovens beneficiados por políticas de acesso à universidade sequer sejam reconhecidas pelos beneficiados. Na contramão disso, fala, estão as ocupações, que precisam de apoio e reconhecimento de outros movimentos tradicionais. “Temos juventude ocupando escola e não estamos assistindo esses jovens como deveríamos. Estão dando muita aula para macaco velho e precisam de muito mais do que ganhar papel higiênico e arroz com feijão. É preciso ir lá conversar com eles para dar respaldo, até psicológico. Até porque, os opressores acham que estão no direito de subir favela novamente e dar tapa na cara de novo”, definiu. História Ainda no campo do resgate histórico, o promotor do Ministério Público do Trabalho e relator da Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra da OAB-RJ, Wilson Prudente, lembrou que a escravidão chegou ao Brasil quando já era proibida em boa parte da Europa. Uma demonstração de quão atrasado e desconectado com o combate ao racismo o país se manteve a ponto de, em 1824, aprovar a pena de morte por crime de insurreição, assim considerado quando 20 ou mais escravos se reuniam para lutar pela liberdade. “Dizia-se que no Brasil império, um país com tantos negros não poderia se dar ao luxo de não ter essa pena”, falou, lembrando-se do atual cenário mundial em que a xenofobia e o racismo crescem perigosamente pelo mundo. Passadas décadas e décadas, o racismo ganha outros contornos e até ar de responsabilidades social, mas não promove a igualdade. Técnica do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) Regina Camargos ressalta que a presença do negro nos bancos entra no conceito de diversidade e meritocracia, mas não resolve a desigualdade. As instituições elaboram selos para valorizar empresas que promovem a diversidade racial em seus quadros, mas no mercado de trabalho o racismo enfrenta quatro dimensões de obstáculos: acesso, mobilidade (ascensão), renda e natureza da ocupação. “O mercado só reflete desigualdade maior que se aplica na sociedade capitalista. As mulheres negras, por exemplo, em 2015, eram o dobro de desempregados em relação aos homens não negros.” O levantamento do Dieese mostra ainda o impacto que políticas de retirada dos direitos sociais capitaneadas pelo ilegítimo governo de Michel Temer podem causar. “Atualmente, 80% da força de trabalho no Brasil ganha até um mínimo, daí a importância da política de valorização do salário”, explicou. Políticas e desafios Conforme resgatou o ex-ministro chefe da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do Brasil, Edson Santos, o negro deixou de ser escravo, mas não virou cidadão. O negro foi colocado na invisibilidade e os programas sociais, de cotas, o Estatuto da Igualdade Racial, a lei das empregadas domésticas são ações afirmativas ainda pequenas diante da dívida histórica que dependem de continuidade e não da ameaça golpista. “Quando você tem um governo com olhar voltado para a desigualdade, isso vai impactar principalmente a população negra. É importante dizer que a pobreza no Brasil tem cor, e se tiver alguém com dúvida disso, que vá visitar um presidio. O foco tem que ser a população pobre e negra por isso que o recorte racial nas políticas públicas é necessário.” Ações que ajudam a alavancar a luta de quem está na ponta do iceberg da desigualdade, como explicou a secretária-geral da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas, Creuza Maria Oliveira. “Na organização sindical, as mulheres negras têm dificuldade de formar categoria e muitos companheiros não nos veem como trabalhadora. Até mesmo as mulheres feministas que estão na luta contra o machismo também enxergam aquela mulher que está na luta assim”, falou.